sábado, 19 de fevereiro de 2022

 

OS RELATOS DE DILMA ROUSSEFF SOBRE A TORTURA NA DITADURA: 'DOR QUE NÃO DEIXA RASTRO'

“Ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina”, recordou a ex-presidente

FABIO PREVIDELLI | @FABIOPREVIDELLI

Dilma durante audiência em um tribunal militar, em 1970
Dilma durante audiência em um tribunal militar, em 1970 - Arquivo Nacional da Comissão da Verdade

O dia 16 de janeiro de 1970 ficará marcado para sempre na memória da ex-presidente Dilma Rousseff, afinal, a data diz respeito à ocasião em que ela foi presa durante a ditadura militar brasileira

À época com 22 anos, Dilma era militante do grupo Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), uma organização marxista-lenista que participava da luta armada contra o governo autoritário que havia se instalado no país. A ex-presidente era responsável, junto com outros dois militantes, por guardar o arsenal da VAR-Palmares, que ficava na capital paulista. 

Após a prisão, Rousseff acabou sendo condenada, em primeira instância, a seis anos e um mês de detenção. Além do mais, segundo explica matéria do Congresso em Foco, ela teve seus direitos políticos cassados por uma década. 

Foto da ficha de Dilma no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)/ Crédito: Arquivo Público do Estado de São Paulo

 

Embora Dilma, em diversas ocasiões, já tenha falado em entrevistas sobre as agressões que sofrera em presídios de São Paulo e do Rio de Janeiro, na década de 1970, os relatos sobre a tortura que foi submetida em Minas Gerais, seu estado natal, só foram conhecidos pelo público em 2012, quando ela ainda estava no meio de seu primeiro mandato. Uma publicação na página de Dilma no Facebook também relembra os horrores vividos durante a ditadura. 

Na ocasião, uma reportagem especial do Correio Braziliense e do Estado de Minas trouxe à tona trechos de um depoimento que ela deu ao Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conedh) de Minas Gerais em 2001, quando ainda era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul e filiada ao PDT.

Se o interrogatório é de longa duração, com interrogador ‘experiente’, ele te bota no pau de arara alguns momentos e depois leva para o choque, uma dor que não deixa rastro, só te mina”, revelou sobre o período em que ficou detida em um presídio de Juiz de Fora (MG), em 1972. 

Dilma também relatou que, na ocasião, chegou a levar socos na mandíbula e perdeu um dente por conta das agressões. “Minha arcada girou para o lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente se deslocou e apodreceu.”

Mais tarde, conta, foi levada para São Paulo, onde foi recebida pelo capitão Alberto Albernaz, do DOI-Codi de São Paulo. “Albernaz completou o serviço com um soco, arrancando o dente”, relatou ao Conedh.

O motivo da prisão

Conforme relatado pelos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas, Dilma foi presa e torturada em Juiz de Fora depois que os militares interceptaram bilhetes que seriam enviados por Ângelo Pezzuti e que tinham ela como destinatário. 

Entretanto, as escritas de Pezzuti, uma das lideranças do grupo que Rousseff participava, jamais chegaram até as mãos da ex-presidente. Mesmo assim, a polícia suspeitava de que ela o havia ajudado a fugir. 

Angelo Pezzuti da Silva/ Crédito: Grupo Tortura Nunca Mais/RJ

 

“Eu comecei a ser procurada em Minas nos dias seguintes à prisão de Ângelo Pezzuti. Eu morava no Edifício Solar, com meu marido, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, e numa noite, no fim de dezembro de 1968, o apartamento foi cercado e conseguimos fugir, na madrugada. O porteiro disse aos policiais do Dops de Minas que não estávamos em casa. Fugimos pela garagem que dá para a rua do fundo, a Rua Goiás”, relatou.

O período na Oban

Pouco depois de ser presa, Dilma Rousseff acabou sendo transferida para uma prisão em São Paulo. De acordo com seus relatos, ela ficou detida por 22 dias seguidos na capital paulista, onde sobre os mais diversos tipso de tortura. 

“Fui interrogada dentro da Operação Bandeirantes (Oban) por policiais mineiros que interrogavam sobre processo na auditoria de Juiz de Fora e estavam muito interessados em saber meus contatos com Ângelo Pezzuti, que, segundo eles, já preso, mantinha comigo um conjunto de contatos para que eu viabilizasse sua fuga”, diz. 

Rua Tomás Carvalhal, 1030, fundos da 36ª Delegacia de Polícia, onde funcionava a Oban/ Crédito: FrancisW via Wikimedia Commons

A ex-presidente, porém, negou que isso tenha acontecido, visto que ela havia deixado Belo Horizonte no começo de 1969 e sua prisão se deu cerca de um ano depois.

“Desconhecia as tentativas de fuga de Pezzuti, mas eles supuseram que se tratava de uma mentira. Talvez uma das coisas mais difíceis de você ser no interrogatório é inocente. Você não sabe nem do que se trata.”

Deste período, Rousseff contou detalhes da tortura que sofreu. “Não se distinguia se era dia ou noite. O interrogatório começava. Geralmente, o básico era choque”, comentou.

“Muitas vezes também usava palmatória; usava em mim muita palmatória. Em São Paulo usaram pouco esse ‘método’. No fim, quando estava para ir embora, começou uma rotina. No início, não tinha hora. Era de dia e de noite. Emagreci muito, pois não me alimentava direito”. 

Dentro da Oban, Dilma também diz que começou a apresentar quadros de hemorragia interna. “Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban (…) foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia”. 

"Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. Acho que tem registros disso no final da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas”, explica.

O período que viveu foi tão assustador que a ex-presidente relata que, em diversas ocasiões, teve medo de perder a vida de tanto que apanhou dos militares, algo que ela jamais esquecerá. 

O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente pelo resto da vida”, disse Dilma. 

Superação de um trauma

Ao Conselho Estadual de Direitos Humanos, em 2001, Dilma disse que o período deixará marcas até o resto de sua vida, afirmando que nunca mais voltou a ser a mesma pessoa depois que foi submetida à tortura. 

Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre vai ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos; agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o impacto é muito grande”, explica. 

“Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, a médio prazo, o efeito na gente é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o efeito é mais profundo, no entanto, é mais fácil aguentar no imediato”, revela. “As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim”. 






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